segunda-feira, outubro 03, 2011

be normal ;

Aquilo era ridículo, para não dizer extremamente infantil. Tentou se lembrar quando fora a última vez que agira daquela forma, mas pensar dessa forma era ainda mais absurdo do que passar por aquela situação. De que adiantava tentar achar outro momento de sofrimento e incapacidade? Toda aquela melancolia, considerando os motivos que tinha, combinava com aquela tipo de garota que ela sempre criticou, que achavam o mundo cor de rosa e se podiam dar ao luxo de ficar sofrendo por ‘bobeiras passageiras’. Mas pensar assim também não ajudava, agora se sentia hipócrita, justamente a característica que mais odiava nas pessoas.
Seria uma longa noite, como todas as outras. Não eram de insônia, pesadelos ou de choradeiras intermináveis. Nada disso combinava com ela, mas intimamente preferia que fosse assim, visível. Mas a verdade é que suas noites, e dias, eram tranqüilos. Risadas, a busca por novas distrações, mais risadas. Telefonemas longos, conversas estimulantes em seus sentidos mais profanos possíveis, ainda que fossem esquecidas no segundo em que acabavam; e quando finalmente se deitava para dormir, simplesmente encostava a cabeça no travesseiro e dormia. Então cadê o sofrimento? Talvez fosse por isso que as coisas estivessem daquela forma, é impossível acreditar em um sofrimento não identificável – as pessoas não acreditavam, ela não acreditava.

Mas no fundo, ou melhor seria dizer que ‘no silêncio’, ela sabia que estava sofrendo. E se tivesse que definir, quem sabe, diria que era o mais puro desespero. Velado, particular e contínuo. E nem mesmo poderia se proteger dizendo que era assim porque não queria que ninguém compartilhasse da sua dor – ainda que dissesse isso quando era acusada -, isso não passava nem mesmo próximo da verdade. As coisas eram assim, puro e simplesmente, porque era incapaz de ser diferente. Ou talvez isso fosse uma mentira também. Era assim porque era orgulhosa, ainda que não suportasse admitir tal coisa.
As noites não eram tão calmas assim, nem mesmo o dia. A ansiedade, calada, mostrava-se presente a todo instante. A demora em alguns lugares, a quase nova doença de TOC desenvolvida, na esperança que aquele objeto se manifestasse para algo mais útil do que mostrar as horas. Os risos e as conversas fúteis que eram permeadas com visitas constantes a lugares em que se esperava alguma mudança, e que na verdade se mostravam da mesma forma: estagnadas. Melhor se fossem só assim, mas às vezes mostravam outras coisas. Para o seu desespero, mostrado pela raiva e crescente ódio, só lhe deixavam claro que a vida havia continuado e a única pedra imóvel era ela. Inútil, mas era isso que acabava pensando sempre que parava para fazer a mesma análise que fazia agora (e que faria de novo quando chegasse ao ápice da sua raiva, daqui poucas horas).
Pensava em mudar, em meio a lágrimas, ser o que precisava ser e ignorar o que queria ser. Mas rodeada a tantos ‘ser’ e ‘dever ser’ se perdia e voltava ao estado de raiva. Raiva de quê? Nem ela sabia, mas presumia, e com razão, que fosse de si mesma – nada pior para alguém orgulhosa do que saber que é incompetente em alguma coisa. Então era isso, aceitar. E desde quando aceitava alguma coisa, ainda que nada pudesse fazer? Era ela mesma que saía dizendo aos quatro ventos que sempre havia o que ser feito, e realmente havia, talvez óbvio demais. Então talvez fosse medo. Mas não era.não da forma mais óbvia. Não era medo de tentar, porque nunca teve esse problema, mas era pânico de não conseguir. De novo. Um fracasso você entende, faz parte da vida, ainda que doloroso; mas como sobreviver a um novo tropeço?
Era isso. Viveria aquela vida de risadas bobas, conversas fúteis e planos imbecis; a noite deitaria na cama, e  ao contrário do que sempre fez, não ficaria longos minutos vivendo aquela vida de diálogos que nunca aconteceriam. Sim, porque era dessa forma que sabia o quão abalada estava, ela simplesmente não conseguia mais sonhar – acordada ou dormindo. Não havia o que sonhar, porque não havia mais o que lhe dava inspiração – não para ser uma pessoa normal, mas para, de fato, ser um ser humano. Seria, a parti de agora, uma pessoa normal em sua aparência; falaria como todos, iria nos mesmos lugares que todo mundo, desejaria o que todos desejam e, principalmente, pensaria como todo mundo. Em suma, deixaria de ser o que era, já que sempre achou que o que mais chamava atenção para si era o fato de ser naturalmente diferente de todo mundo.
A solução do seu problema: ser igual a todo mundo. E mais uma maré de lágrimas desabaram. Não queria ser como ninguém, só ser ela mesma, da forma mais confusa e complicada que se espírito resolvesse se mostrar. Só queria ter o que perdeu, a tanto tempo, e buscou resgatar das formas que lhe pareciam possíveis. Mas não conseguiu, e agora sentia toda a sua força vital desaparecer, os poucos sonhos que tinha se desfazerem rapidamente – até aqueles que carregavam toda a sua esperança.
Seria uma longa noite, mas tinha que admitir, essa era diferente. Dessa vez sem a tentativa covarde de fingir que estava tudo bem, sem ter a certeza que no dia seguinte teria as risadas e as conversas tolas para sua distração. Essa era uma noite regada as lágrimas e ao puro desespero. Lá, sem ainda se dar conta, essa era a primeira noite de uma garota normal, como todas aquelas que criticou. Porque o seu sofrimento, os motivos que possuía, eram perfeitamente normais, assim como as suas lágrimas eram extremamente previsíveis. Exatamente longe do que ela realmente era ou queria ser – mas quem sabe ‘ser normal’ pudesse dar o que ela tanto queria e precisava.

domingo, setembro 11, 2011

vazio ;




Mais uma vez ela olhava para o céu, distraída em pensamentos, ainda que não estivesse pensando em nada. Não era uma contemplação, se alguém perguntasse se existia alguma estrela no céu aquela noite, não saberia dizer. Observava o vazio, em silêncio, sem medo de ser questionada pelo que fazia – e se fosse, diria apenas que estava admirando as estrelas.


Talvez não existisse céu, e o que ela olhava era apenas o seu reflexo. Vazio. Poderiam existir nuvens que caminhassem docemente pela sua vastidão, estrelas que prediziam um dia de Sol ou até mesmo silenciosos relâmpagos, quebrando a calmaria noturna. Entretanto só conseguia se concentrar na parte escura que o dominava. Será que isso era ver o copo meio vazio? Incomodada em se sentir pessimista, fez todo o esforço possível para enxergar além do que estava vendo. Não, era apenas um céu solitário, assim como ela.


Não, no fundo sabia que estava errada. A noite não era solitária, só porque faltava tudo aquilo que lhe era tão característico. Na verdade era uma pena que apenas noites estreladas, ou tempestuosas, fossem consideradas bela. No final das contas, nunca seria uma noite solitária, apenas saudosa. Não há motivos pra se sentir sozinha, afinal, amanhã lá estarão as estrelas, as nuvens, os raios...


E é justamente por isso que ela olha tanto o que está acima, mas não consegue fazer caminhar seu pensamento. Seria essa a sua diferença para com o céu, ou a sua semelhança? A saudade das estrelas que irão aparecer no dia seguinte, ou a ausência de expectativa da companhia?

a modern myth ;

Did we create a modern myth?
Did we imagine half of it?
What happened then, a thought for now
Save yourself
Save yourself
The secret is out
The secret is out
To buy the truth you sell a lie
The last mistake before you die
So don't forget to breathe tonight
Tonight's the last so say good-bye
The secret is out
The secret is out
The secret is out
The secret is out
Goodbye goodbye

Goodbye

sábado, setembro 10, 2011

minha cor ;

A maioria pensa com a sensibilidade, eu sinto com o pensamento.
Para o homem vulgar, sentir é viver e pensar é saber viver.
Para mim, pensar é viver e sentir não é mais que o alimento de pensar.
Fernando Pessoa


Homens que precisam ser admirados, ter um emprego que lhe confira algum valor, ser um canalha com as mulheres, fanáticos por futebol ou qualquer esporte que envolva derramamento gratuito de sangue; encontram a mulher perfeita, se apaixonam, fazem planos, casam e a rotina aparece – e aí se tem a desculpa justa para procurar aventuras, mas tudo acaba cansativo e você volta para o seu seio familiar, educando moralmente seus filhos e se usando de exemplo para eles.

Mulheres que desde crianças são educadas para sonharem com o príncipe encantado, a serem fiéis, darem valor ao próprio corpo e serem educadas. Estudar, ser bonita, engraçada e inteligente – não muito, afinal ninguém gosta de se sentir oprimido. Ter uma carreira e ser bem sucedida, ou não ter uma e sonhar com um lindo casamento. Ter uma carreira e sonhar com um casamento. Festa, vestido de noiva, o cara perfeito (depois de tantas desilusões). Amor, amor, problemas, amor e filhos. A realização feminina em ver os filhos crescerem, ignorar as tristezas – desilusões do casamento, do trabalho, da família – e, depois de anos de vida, se sentir feliz porque viu seu lindo filho encontrar uma moça legal e formar uma família.

Mas que diabos de mundo é esse? Onde é que entra o meu maldito direito de pintar o mundo da cor que eu quiser? Minhas escolhas, meus talentos, os meus defeitos, nada disso parece importar no mundo pré-moldado. Não me interessa se todo mundo quer seguir no caminho A, eu crio um B se for preciso. Definitivamente passa longe de querer ser diferente, de ser rebelde, é só querer poder escolher por onde vou. Nem todo mundo quer o mundo cor de rosa.

Não tenho que ser inconseqüente porque sou jovem, e muito menos ser rodeada de gente, ou morrer por passar os finais de semana em casa. Pouco me importa se a música da moda é a minha ou não, e nem de longe sou obrigada a achar ‘bacana’ só porque está no topo. Tudo que sobe, desce. Porque deixar a roupa guardada, só porque a moda da voltas? A moda dá voltas, o mundo também, mas eu não – quem dá voltas, no final da história, nunca saiu do lugar.

Qual é a melhor cor para pintar seu céu particular, só você pode saber. Então porque alguém tem que padronizar as cores do meu paraíso? Ninguém é o mesmo todos os dias, talvez hoje ele seja rosa, amanhã azul e no fim de semana um verdadeiro verde em tom neon. Cada um viva como quiser, e depois se entenda com o futuro que tiver. Mudar sempre, ou não mudar nunca. 

Casar, não casar, ser um pegador convicto ou se devotar a castidade; ter amigos, ser isolado, ou ter os dois quando tiver vontade; ter um visual diferente, ser como todo mundo, gostar da música da moda ou viver preso aquela música que é mais velha que a sua avó. Fazer planos, ser irresponsável, beber muito ou virar um hippie que nem ao menos toma banho. Nada disso é da conta de qualquer outra pessoa que não seja você – se for passar por problemas por ter opiniões diferentes demais, qual é o problema? A vida não tem graça sem alguns pedregulhos no caminho.

 O mundo não vai mudar, e vão continuar sempre ditando o que se deve ser, como se comportar ou o que esperar da vida. Para alguns o plano perfeito vai funcionar, e para tantos outros será só mais uma ilusão de felicidade – afinal, nem ao menos se pode escolher se realmente quer ser feliz. Essa não é uma tentativa de mudar o mundo, nem muito menos explicar o porquê faço esforço para não cair na mesma estrada. Só se deve explicações a si mesmo, e de todos os erros que posso cometer na vida, pelo menos esse não vou: nunca vou me arrepender por não ter sido eu mesma, às vezes com dificuldade, mas lutando pra respeitar ao que realmente quero e não ao que me obrigam a desejar.

quarta-feira, agosto 17, 2011

escravidão moderna ;



"O quadro encontrado pelos agentes do poder público, e acompanhado pela Repórter Brasil, incluía contratações completamente ilegais, trabalho infantil, condições degradantes, jornadas exaustivas de até 16h diárias e cerceamento de liberdade (seja pela cobrança e desconto irregular de dívidas dos salários, o truck system, seja pela proibição de deixar o local de trabalho sem prévia autorização). Apesar do clima de medo entre as vítimas, um dos trabalhadores explorados confirmou que só conseguia sair da casa com a autorização do dono da oficina, só concedida em casos urgentes, como quando levou seu filho ao médico.

Quem vê as blusas de tecidos finos e as calças da estação nas vitrines das lojas da Zara não imagina que, algumas delas, foram feitas em ambientes apertados, sem ventilação, sujos, com crianças circulando entre as máquinas de costura e a fiação elétrica toda exposta. Principalmente porque as peças custam caro. Por fora, as oficinas parecem residências, mas todas têm em comum as poucas janelas sempre fechadas e com tecidos escuros para impedir a visão do que acontece do lado de dentro das oficinas improvisadas. 

As vítimas libertadas pela fiscalização foram aliciadas na Bolívia e no Peru, país de origem de apenas uma das costureiras encontradas. Em busca de melhores condições de vida, deixam os seus países em busca do “sonho brasileiro”. Quando chegam aqui, geralmente têm que trabalhar inicialmente por meses, em longas jornadas, apenas para quitar os valores referentes ao custo de transporte para o Brasil. Durante a operação, auditores fiscais apreenderam dois cadernos com anotações de dívidas referentes à “passagem” e a “documentos”, além de “vales” que faziam com que o empregado aumentasse ainda mais a sua dívida. Os cadernos mostram alguns dos salários recebidos pelos empregados: de R$ 274 a R$ 460, bem menos que o salário mínimo vigente no país, que é de R$ 545.

[....]
A primeira oficina vistoriada mantinha seis pessoas, incluindo uma adolescente de 14 anos, em condições de trabalho escravo. No momento da fiscalização, os empregados finalizavam blusas da Coleção Primavera-Verão da Zara, na cor azul e laranja (fotos acima). Para cada peça feita, o dono da oficina recebia R$ 7. Os costureiros declararam que recebiam, em média, R$ 2 por peça costurada. No dia seguinte à ação, 27 de junho, a reportagem foi até uma loja da Zara na Zona Oeste de São Paulo (SP), e encontrou uma blusa semelhante, fabricada originalmente na Espanha, sendo vendida por R$ 139.

Fonte: Blod do Sakamoto

Refaço a minha sugestão do último post: assistam A Liga.

segunda-feira, agosto 15, 2011

frescura televisiva;

Que me desculpem os mais sociáveis, mas haja saco para tanta hipocrisia. As pessoas adoram mostrar toda a sua compaixão diante de casos de sofrimento ‘modelo’, e esquecem que vivem uma realidade pior ou igualmente ruim – mas é muito mais bonito, pelo menos socialmente, demonstrar a sua preocupação com o próximo. Próximo distante, é importante dizer.

Domingo, e por longas horas, fizeram uma enorme reportagem a respeito de um artista famoso que hoje figura na miséria. Pelo resumo, que fui obrigada a aturar diversas vezes, porque mesmo sem nem ao menos passar pelo canal que transmitia, mas parece que a minha mãe não entende bem o que significa o ‘não me interessa’. Enfim, a história era triste – filho deficiente, problemas de saúde e tudo mais que seja digno de um drama televisivo.

Não quero aqui parecer uma desalmada que não se comove com a dar alheia, mas acho absurdas as proporções que são destinadas as figuras televisivas. Quantas vezes viram alvo de reportagens nesse estilo, ex-jogadores que gastam toda a sua fortuna com mulher e negócios destinado ao fracasso, ou mesmo algumas pessoas que acreditavam que sua fama seria eterna e nada deram valor aos ganhos de quando estavam no auge? Uma formula jornalística estúpida que sempre dá certo, afinal se não há púbico, não interesse em se transmitir tal coisa.

A minha revolta é quando penso em quantas pessoas REALMENTE merecem alguma compaixão. Há algumas semanas o programa A Liga mostrou o drama de quem passar por uma desapropriação. É claro que sempre existe aquela pessoa que faz o imenso favor de morar um local de risco, e não entende que é para o próprio bem que precisa sair daquele lugar – e mesmo essas, quantas delas tem escolha? A questão é que são momentos que realmente partem o coração – e quem me conhece sabe que ficar emocionada por dramas humanos não é realmente algo recorrente comigo -, mas você vê pessoas que lutam por toda a sua vida para conseguir construir uma casa mínima, ter alguns móveis, e, de repente, perde tudo. Para alguns resta a resposta do ‘o Estado vai ressarcir’, mas quando? E a questão não é puramente financeira, mas sentimental, é a dedicação que se coloca naquele lar e, seja por qual motivo, assiste-se o seu sumiço.

Então, simplesmente, é no mínimo nojento ver a comoção causada quando um artista está sofrendo. Qualquer pessoa é digna de nossa compaixão, respeito e mesmo assistência, mas não entendo como alguém que teve suas chances – não importa se foi 15 segundos de fama ou anos de carreira – contra aquela pessoa que lutou a vida inteira para ser honesta – afinal, o nome é a única coisa que lhe cabe. Sinceramente, poupem meu tempo quando forem chorar as pitangas porque você, que teve suas chances, não conseguiu o que queria – ali no baixo ao lado tem alguém chorando por não saber por quanto tempo terá um teto sobre sua cabeça.



Quem tiver interesse e não tenha visto o programa, podem ver por aqui todas as partes do programa. Cada um sabe o tamanho dos próprios problemas, o quanto custa viver dia após outro, mas isso não lhe dá o direito de ignorar o sofrimento alheio, do próximo - e próximo não quer dizer quem você goste, mas um ser humano como você.

domingo, agosto 07, 2011

melhor interesse ;


Teria sido acertada esta decisão judicial homologatória? Estaria preservado o bem-estar de Chicão? Não há dúvidas que sim. Foram considerados os vínculos afetivos e familiares existente entre eles. Afinal, era ela a mãe socioafetiva da criança, pois a mãe biológica sempre viajava pelo país a trabalho. Era Maria Eugênia quem cuidava da sua educação, quem estava ao seu lado no dia a dia, acompanhando o seu desenvolvimento e crescimento. O avô, por seu turno, tinha pouco contato com o neto e não havia nenhum laço relevante entre eles.

O que deveria ter sido verificado era se Cássia, Eugênia e Chicão formavam, verdadeiramente, uma família. Afinal, família não é um agrupamento natural, mas cultural. O que importa é a existência de pessoas que cumpram na vida uma das outras o papel paterno e materno, inexistindo vinculação destes como genitores biológicos. Neste caso, portanto, não há dúvidas de que foi atendido o Princípio do Melhor Interesse da Criança. As partes souberam despir-se de preconceitos, para buscar o bem-estar de Chicão, pois é claro que ele se sentiria muito melhor dando continuidade à sua vida, no seu ambiente social, com a pessoa que lhe nutre afetividade, e lhe é fundamental para sua estruturação psíquica, do que estar em companhia de alguém que, embora 'tenha seu sangue', não tivesse com ele ligações afetivas.


Silvio Neves Batista a respeito do caso Cássia Eller.
Guarda e direito de visita. Revista Brasileira de Direito de Família, n.5. abr/mai/jun.2000.

sexta-feira, agosto 05, 2011

Famílias Modernas;

Quase uma semana, certa retração da mídia, mas ainda assim o mesmo assunto nos jornais mais sensacionalistas: o possível suicídio da namorada de um jogador da segunda divisão do futebol brasileiro. O que não foi explorado pela mídia televisiva, exaustivamente foi exposto pelo mundo virtual. A história não é exatamente novidade: um casal jovem e desproporcional, um rapaz em início de carreira, uma menor de idade e uma fatalidade – cada vez mais típico.

É amplamente discutido se o rapaz poderia ou não ter empurrado a garota pela janela, se as imagens em que ele mostra desespero eram verdadeiras ou se mesmo se a tal menina teria coragem ou não de atentar contra a própria vida. Também foi levantado o fato de um atleta ter problemas com o álcool, o relacionamento saudável ou não vivido por eles e até mesmo o tamanho da possessividade revelada pela vítima, por seu – quem sabe – algoz. Discussões tão recorrentes quanto o caso, que todas as semanas estampam jornais e já caíram na banalização popular – a não ser que tenha requintes de crueldade, já não são mais atraentes. 

O que nunca parece ser considerado é a atitude da família – não posterior ao acidente, mas antes. Por que nunca se questiona o quanto as famílias renunciam ao seu poder e dever como pais? Qual é a razão de, nesses momentos, nunca existirem críticas a respeito do posicionamento tomado por eles? É óbvio que se deve respeitar o pesar que passam durante esse momento, mas a super exploração da informação não é a título de exemplo para outros casos? Não é exatamente esse o argumento usado por diversos repórteres quando exageram na sinceridade em suas perguntas e opiniões?

Partindo deste caso, é fácil notar o quão anunciado era a tragédia. Segundo a família de Flávia de Lima, 16, a garota mantinha um relacionamento há mais de 2 anos com o jogador Rafael Silva, 20, e que moravam juntos já há um ano. Atualmente a diferença de idade não parece mais ser algo a ser considerado. Famílias que tem seu início precocemente, com meninas que saem de casa antes mesmo de entenderem a sua nova condição de mulher, adquirida dia a dia. Com 14 anos é a saída da infância, tomando por base o Direito Penal, mas aparentemente essa constatação não parece ser observada pelas famílias brasileiras. Uma garota, uma criança, que mantinha um relacionamento com um homem de 18 anos. Que um ano depois, já deixava seu lar, a proteção familiar e investia na constituição família – mal tendo terminada a educação escolar básica.

Em algumas reportagens a mãe da garota afirmou que a filha era decidida, totalmente determinada no que desejava. O que, no mundo de tantas outras pessoas, seria chamado de birra infantil. Entretanto, o que antes parecia ser tratado com proibições, castigos, hoje é deixado a própria sorte. Até uma década atrás, um pai não permitira que sua filha tivesse qualquer relacionamento com esta idade, quem dirá com um rapaz já maior de idade. Mas aqueles tempos são chamados de arcaicos, ‘pais quadrados’, distantes da modernidade vivida hoje. Modernidade? Será mesmo que o afastamento do controle que os pais exerciam sobre os filhos, é um caminho desejável? É claro que dominação nunca é aceitável, o cerceamento de expressão é obviamente deplorável, mas isso nada tem a ver com as imposições normais que se espera de um ambiente familiar.

A história, infelizmente, não é novidade. O que antigamente era feito pelo casamento – meninas tão novas que eram entregues para o matrimônio, muito antes de terem idade o suficiente para entenderem o próprio corpo -, foi superado pela liberdade dada aos filhos de escolherem o próprio destino, ainda que houvesse regras e limites a serem seguidos. Hoje, aparentemente, parece um lar ser lei. Os filhos em sua independência precoce e desmedida se entregam pra uma vida adulta muito antes de terem capacidade de entender exatamente o que é que tanto desejam; por outro lado, os pais, abrem mão de qualquer limite com a estúpida desculpa de que possuem filhos geniosos, que são liberais e só querem a felicidade dos mesmos. Já dizia a velha frase que liberdade não é o mesmo que libertinagem, mas esse parece ter sido mais um dos provérbios aposentados e considerados não dignos da modernidade. Infelizmente, esse caso lastimável de acidente, ou mesmo homicídio, figurará no banal, com sua recorrência insistente, sempre amparada pela busca da justiça para o ato final, ignorando o estopim do problema real.

 
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